domingo, 12 de outubro de 2008

O QUE É O TERCEIRO SETOR?

É um conceito, uma expressão de linguagem entre outras. Existe, portanto, no âmbito do discurso e na medida em que as pessoas reconheçam o seu sentido num texto ou numa conversação.É uma expressão ainda pouco utilizada no Brasil. Na verdade, quase ninguém a reconhece por aqui. Já presenciei cenas curiosas, em que pessoas, as mais cultivadas, reagem de pronto ao ouvi-la: - "O quê? Que negócio é este?".Foi traduzida do inglês ("Third Sector") e faz parte do vocabulário sociológico corrente nos Estados Unidos. No Brasil, começa a ser usada com naturalidade por alguns círculos ainda restritos, como no GIFE, por exemplo, promotor deste volume. É cedo, portanto, para saber se vai vingar entre nós, mas vale a pena discuti-la, pois carrega implicações que a todos importam.Nos Estados Unidos, costuma ser usada paralelamente a outras expressões, entre as quais duas se destacam: a primeira diz "Organizações Sem Fins Lucrativos" ("Non Profit Organizations"), significando um tipo de instituição cujos benefícios financeiros não podem ser distribuídos entre seus diretores e associados. A segunda, "Organizações Voluntárias", tem um sentido complementar ao da primeira. Se o lucro não lhes é permitido e se, como também se supõe, não resultam de uma ação governamental, deriva-se que sua criação seja fruto de um puro ato de vontade de seus fundadores. E mais, supõe-se ainda que duram no tempo, em grande medida, graças a um conjunto complexo de adesões e contribuições igualmente voluntárias.A lei inglesa, tradicionalista como é, usa uma expressão mais antiga para designar nosso objeto. Fala de caridades" ("Charities"), o que remete à memória religiosa medieval e enfatiza o aspecto da doação (de si, para o outro) que caracteriza boa parte das relações idealizadas neste campo. A noção de "Filantropia", contraponto moderno e humanista à caridade religiosa, também aparece com freqüência, sobretudo na literatura anglo-saxã. Mecenato é outra palavra correlata, que nos faz lembrar a renascença e o prestígio derivado do apoio generoso às artes e ciências.Da Europa Continental vem o predomínio da expressão "Organizações Não Governamentais" (ONGs), cuja origem está na nomenclatura do sistema de representações das Nações Unidas. Chamou-se assim às organizações internacionais que embora não representassem governos, pareciam significativas o bastante para justificar uma presença formal na ONU. O Conselho Mundial de Igrejas e a Organização Internacional do Trabalho eram exemplos em pauta. Por extensão, com a formulação de programas de cooperação internacional para o desenvolvimento estimulados pela ONU, nos anos sessenta e setenta, cresceram na Europa Ocidental "ONGs" destinadas a promover projetos de desenvolvimento no Terceiro Mundo. Formulando ou buscando projetos em âmbito não governamental, as ONGs européias procuraram parceiros mundo a fora e acabaram por fomentar o surgimento de ONGs nos continentes do hemisfério Sul.Assim, ainda que designe uma característica geral ao campo em questão, que é justamente sua natureza não governamental, o termo "ONG" no Brasil está mais associado a um tipo particular de organização, surgida aqui a partir dos anos setenta, no âmbito do sistema internacional de cooperação para o desenvolvimento. Sua origem no período autoritário e seu horizonte internacionalizado numa época de exacerbação dos embates ideológicos globais resultaram numa ênfase na dimensão política das ações, aproximando-as do discurso e da agenda das esquerdas.Na América Latina, Brasil inclusive, é mais abrangente falar-se de "Sociedade Civil" e de suas Organizações. Este é um conceito do século dezoito que desempenhou papel importante na filosofia política moderna, sobretudo entre autores da Europa continental. Designava um plano intermediário de relações, entre a natureza, pré social, e o Estado, onde a socialização completar-se-ia pela obediência a leis universalmente reconhecidas. No entendimento clássico, incluia a totalidade das organizações particulares que interagem livremente na sociedade (entre as quais as empresas e seus negócios), limitadas e integradas, contudo, pelas leis nacionais. O conceito foi recuperado na América Latina no período recente das lutas contra o autoritarismo (como, aliás, também na Europa de Leste). A literatura hegeliana de esquerda foi instrumental neste sentido, tendo Gramsci como principal referência. O marxismo de linhagem italiana contribuiu, assim, para que a intelectualidade de esquerda reconsiderasse a questão da autonomia da "sociedade civil", com suas inúmeras instituições, frente ao Estado. Ocorre, no entanto, que o uso recente trouxe uma importante transformação no escopo do conceito original. Fala-se hoje das "organizações da sociedade civil" (OSCs) como um conjunto que, por suas características, distingue-se não apenas do Estado mas também do mercado. Recuperada no contexto das lutas pela democratização, a idéia de "Sociedade Civil" serviu para destacar um espaço próprio, não governamental, de participação nas causas coletivas. Nela e por ela, indivíduos e instituições particulares exerceriam a sua cidadania, de forma direta e autônoma. Estar na "Sociedade Civil" implicaria um sentido de pertença cidadã, com seus direitos e deveres, num plano simbólico que é logicamente anterior ao obtido pelo pertencimento político, dado pela mediação dos órgãos de governo. Marcando um espaço de integração cidadã, a "Sociedade Civil" distingue-se pois do Estado; mas caracterizando-se pela promoção de interesses coletivos, diferencia-se também da lógica do mercado. Forma, por assim dizer, um "terceiro setor"... (Wolfe, 1992).Em resumo, pelo que foi visto até aqui, pode-se dizer que o "Terceiro Setor" é composto de organizações sem fins lucrativos, criadas e mantidas pela ênfase na participação voluntária, num âmbito não governamental, dando continuidade às práticas tradicionais da caridade, da filantropia e do mecenato e expandindo o seu sentido para outros domínios, graças, sobretudo, à incorporação do conceito de cidadania e de suas múltiplas manifestações na sociedade civil (Fernandes 1995 e 1996a). Esta definição soa um tanto estranha porque combina palavras de épocas e de contextos simbólicos diversos, que transmitem, inclusive, a memória de uma longa história de divergências mútuas. A filantropia contrapôs-se à caridade, assim como a cidadania ao mecenato. São diferenças que ainda importam mas que parecem estar em processo de mutação. Perdem a dureza da contradição radical e dão lugar a um jogo complexo e instável de oposições e complementaridades. Não se confundem, mas já não se separam de todo tampouco. Recobrem-se parcialmente, alternando situações de conflito, de cooperação e de indiferença. A irmã de caridade que defende sua creche como uma "ação de cidadania" ou o militante de organizações comunitárias que elabora projetos para o mecenato empresarial tornaram-se figuras comuns.Segundo o RAIS, do Ministério do Trabalho, em 1991 existiam mais de 200 mil organizações sem fins lucrativos no Brasil, empregando mais de um milhão de pessoas (Goes, 1995). São números nada banais, que colocam o setor como a terceira maior categoria na geração de empregos no país. Analisando dados da Receita Federal do mesmo ano, Landin (1993) constatou que a maior parte delas (77%) é composta de "associações" (cerca de 170.000). Dentre as associações, por sua vez, os maiores números distribuem-se entre "Beneficientes e Assistenciais" (29%), "Recreativas e Esportivas" (23%) e "Culturais, Científicas e Educacionais" (19%). Estão entre as últimas, em 1985, 895 museus e 21.602 bibliotecas. Esses números são notoriamente frágeis, pois as informações sobre o mundo "sem fins lucrativos" não têm sido levadas a sério no país. Valorizá-las é uma parte importante do processo de consolidação do setor. Os números que temos, no entanto, dão uma idéia das dimensões do objeto, ainda que tentativa e incompleta. Não inclui, por exemplo, o trabalho social que é feito no âmbito dos templos religiosos. Cada paróquia da Igreja Católica desenvolve, ao menos, um projeto social. As Ordens Religiosas desenvolvem trabalhos que ultrapassam os limites das obras formalmente registradas. É comum, por exemplo, que um colégio católico inclua projetos sociais em suas atividades extra-curriculares. Os Vicentinos, no Brasil desde 1873, especializam-se na organização de voluntários leigos, com um forte componente jovem, que se dedicam a obras sociais de forma sistemática e regular. Organizam-se em grupos locais chamados "Conferências", cada um composto no máximo de quinze pessoas, que levantam recursos e aplicam-nos segundo uma metodologia comum. Em 1991, as Conferências Vicentinas coordenavam o trabalho social de 300.000 voluntários, com um orçamento anual acima de dezoito milhões de dólares (Novaes, 1995). Não há Centro Espírita que não faça, ao menos, uma obra de caridade - uma creche, um ambulatório, campanhas de atendimento. Pesquisa feita sobre a assistência social espírita no Estado do Rio de Janeiro, encontrou, por exemplo, que sòmente na distribuição de alimentos, a ação espírita no estado beneficia regularmente cerca de 187 mil pessoas cadastradas (Giumbelli, 1995). O trabalho voluntário é tão valorizado entre os espíritas que adquire um sentido propriamente religioso, como a principal expressão prática da doutrina. Pesquisa sobre as igrejas evangélicas no Rio de Janeiro, indica que cerca de 20% de seus membros dão algum tempo de trabalho voluntário pelos necessitados num ritmo semanal. Isto significa algo próximo de trezentos mil voluntários evangélicos na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Pouco sabemos de sistemático sobre os investimentos das empresas particulares em projetos sem fins lucrativos. Vale citar, no entanto, que os projetos apresentados pelas 99 empresas concorrentes ao Prêmio Eco de Filantropia Empresarial, em 1995, totalizavam investimentos no valor de US$285.338.662,00. Leilah Landin coordena no ISER um projeto que pretende estimar o peso relativo do Terceiro Setor nas contas nacionais. Considerando o que sabemos através de investigações parciais, pode-se apostar que o resultado dessa pesquisa será impressionante. Sendo tantos e tão variados os componentes deste "Terceiro Setor", que sentido há em agrupá-los todos sob um mesmo nome? Vejo quatro razões principais, que se manifestam não apenas na retórica, mas também, e talvez sobretudo, em programas e plataformas de natureza prática.

2 comentários:

Unknown disse...

isso è muito chato d-++++++++++++ eu odiei

Prih 'Oliveira disse...

Adorei o blog. Realmente muito interessante. Sou academica do curso de Serviço Social, e estava enrolada com o Terceiro Setor, e o texto me ajudou bastante.