segunda-feira, 13 de outubro de 2008

O terceiro setor e o desafio da gestão

Características organizacionais do terceiro setor

Nas últimas décadas, ocorreu uma explosão de organizações sem fins lucrativos em todo o mundo. Apesar de já existirem a séculos no mundo ocidental, nos últimos anos, estas entidades aumentaram significativamente sua participação na sociedade e na economia, ganhando visibilidade cada vez maior.
No Brasil, a raiz das organizações do terceiro setor está nos movimentos sociais e políticos de esquerda (FISCHER & FALCONER, 1998), os quais surgiram, em grande parte, na resistência ao regime militar. Contudo, apesar da importância dos movimentos sociais, no Brasil, assim como no restante do mundo, o surgimento do terceiro setor tal como conhecemos hoje está intimamente relacionado com a queda da participação estatal na área social. Apesar de no nosso país nunca ter existido um Estado de bem-estar social, nas duas últimas décadas, o Estado brasileiro tem procurado transferir ao máximo a prestação de serviços sociais para a sociedade civil, diminuindo seus custos administrativos. Esta política abriu espaço para o crescimento das organizações privadas de finalidade pública no Brasil.
O segmento de organizações da sociedade civil que não visam lucro carece de uma conceituação e classificação mais precisa. Diversas denominações têm sido empregadas, tais como: organizações não-governamentais (ONGs), organizações da sociedade civil (OSCs), organizações do terceiro setor (organizações do terceiro setor), organizações sem fins lucrativos, entre outras. Contudo, a expressão preferida e que tende a ganhar maior reconhecimento é “terceiro setor” (LANDIM & BERES, 1999).
Dentre as diversas conceituações de terceiro setor, destaca-se a definição de SALAMON & ANHEIER (1997). Estes, estudando organizações do terceiro setor em todo o mundo, apresentam cinco características que de alguma forma devem estar presentes em todas elas:
Organizadas: ainda que não sejam legalmente formalizadas, precisam ter um sentido de permanência em suas atividades, possuir conselhos e realizar reuniões periódicas;
Privadas;
Não distribuírem lucros: ainda que as receitas sejam maiores que as despesas, todo o “lucro” deve ser revertido para a própria organização;
Autogovernáveis: existência independente do Estado ou de empresas;
Voluntárias: devem apresentar algum grau de voluntariado, tanto no trabalho quanto no financiamento (doações).
Diante do grande crescimento do terceiro setor no mundo, e particularmente no Brasil, é interessante analisar alguns números para que se possam perceber as dimensões do setor em questão e seu potencial de crescimento ainda maior.
Só nos Estados Unidos, segundo DRUCKER (1999), oitenta milhões de pessoas dedicam uma parte regular de seu tempo, todas as semanas, para trabalhar em alguma organização do terceiro setor. Segundo o autor, eles fazem isto pela satisfação de contribuir, de ser parte de uma comunidade, algo inerente a todos os seres humanos. Enquanto o setor empresarial constitui 80% do PIB dos Estados Unidos e o setor governamental é responsável por outros 14%, o terceiro setor já representa 6% da economia nacional e 9% da população ocupada (RIFKIN, 1995).
No Brasil, segundo matéria publicada na FOLHA DE SÃO PAULO (1999), um milhão e meio de pessoas trabalham em organizações do terceiro setor. Segundo dados apresentados pelo jornal, a taxa anual de crescimento desta mão-de-obra, nos últimos anos, tem sido superior a 10%, o que indica a existência de um grande campo para ampliação destas atividades. Aqui incluem-se as Organizações Não Governamentais, entidades filantrópicas, religiosas, clubes, entre outros.
Dados mais consistentes podem ser extraídos do trabalho de LANDIM & BERES (1999). Em termos de pessoal ocupado, a pesquisa encontrou 1.120.000 pessoas trabalhando com remuneração no setor sem fins lucrativos. Entre 1991 e 1995, este número cresceu 44,3%. É significativo também o número de pessoas que realizam trabalho voluntário: 16% da população acima de dezoito anos.
O crescimento e fortalecimento do terceiro setor trazem a necessidade de se formular modelos de gestão adequados a estas organizações, como discutido a seguir.

O desafio da gestão no terceiro setor

Nos últimos anos, a preocupação com aspectos relacionados à gestão tem crescido significativamente entre as organizações do terceiro setor. Conforme afirma FALCONER (1999:110), “há um virtual consenso entre estudiosos e pessoas envolvidas no cotidiano de organizações sem fins lucrativos de que, no Brasil, a deficiência no gerenciamento destas organizações é um dos maiores problemas do setor, e que o aperfeiçoamento da gestão – através da aprendizagem e da aplicação de técnicas oriundas do campo de Administração – é um caminho necessário para o atingir de melhores resultados”.
Contudo, as particularidades das organizações do terceiro setor e seu papel cada vez mais destacado na sociedade e na economia requerem o desenvolvimento de sistemas de gestão e operação próprios. Como afirma HUDSON (1999:XIII), “a administração não pode ser importada sem alterações e imposta às organizações orientadas por valores. Diferenças importantes e sutis, enraizadas nas diferentes naturezas que permeiam essas organizações, precisam ser compreendidas. ... O terceiro setor precisa de teorias de administração próprias adotadas e adaptadas para adequar-se às suas necessidades”.
Se, por um lado, as organizações do terceiro setor estão começando a perceber a importância de contarem com sistemas de gestão mais eficientes, por outro, o crescimento e visibilidade que ganharam nos últimos anos despertaram o interesse da comunidade científica, originando os primeiros trabalhos enfocando temas organizacionais e de gestão do terceiro setor no Brasil.
Em um dos trabalhos pioneiros neste tema, FALCONER (1999) se propõe a analisar a “promessa do terceiro setor” no Brasil, ressaltando alguns aspectos a serem considerados no estudo da gestão destas organizações. Neste sentido, o autor identifica quatro aspectos principais a serem desenvolvidos na gestão do terceiro setor: accountability (transparência), sustentabilidade, qualidade dos serviços, capacidade de articulação (quadro 1). Segundo o autor, cada um destes aspectos engloba uma série de ações e deve ser estudado em profundidade, constituindo uma agenda para a formação de um campo de conhecimento específico de administração de organizações sem fins lucrativos.

Nenhum comentário: